Forros Decorados Sobre Madeira - Confecção e Restauro
1982
Adriano Reis Ramos
pesquisador e restaurador de obras de arte
Grupo Oficina de Restauro
Introdução
A madeira foi empregada como suporte de pintura durante toda a Idade Média e o Renascimento. Contudo, são desconhecidas a origem dos forros decorados sobre madeira e a data de seu surgimento. Sabe-se apenas que foram mais difundidos na Península ibérica, sendo que, na Espanha, eram empregados mais comumente os forros artesoados, enquanto que em Portugal, com a chegada do pintor florentino Vicenzo Baccarelli, em 1701, os forros em abóbada de berço substituíram as antigas decorações de arabescos ou caixotões com composições figurativas. Segundo a historiadora Myriam Ribeiro de Oliveira, tudo leva a crer que a abóbada de berço surgiu em função da pintura em perspectiva, com o retorno da influência italiana em Portugal no reinado de D. João V.
No Brasil, a utilização da madeira em forros decorados foi mantida com a colonização portuguesa, levando-se em conta a vinda dos oficiais de além-mar e a abundância da matéria-prima aqui encontrada. Inicialmente, os forros apresentavam-se em painéis emoldurados, para, em seguida, no período joanino, dar lugar às abóbadas de berço com o advento da pintura ilusionista que, na colailia, foi introduzida, conforme documentação arquivística, em 1732, por Caetano da Costa Coelho, na Igreja da Ordem 3ª de São Francisco da Penitência na cidade do Rio de Janeiro.
Em Minas Gerais, a história se repete, pois, monumentos como a Capela de Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, das primeiras décadas do século XVIII, decorada ao estilo nacional português, apresenta seus forros em caixotões, enquanto que, na fase posterior, as igrejas mineiras, com raríssimas exceções, comportam forros abobadados, que foram mantidos até as fases rococó e neoclássica.
Portanto, os tipos de forros decorados mais utilizados nas igrejas brasileiras são os painéis emoldurados, as abóbadas de berço e facetadas, bem como os de gamela e de tabuado liso. Esses forros são sustentados por estruturas que, presas às peças da cobertura, delimitam sua composição espacial.
Informe sobre os processos de confecção
Por intermédio dos arquivos das irmandades religiosas setecentistas, pode-se constatar que a ornamentação interna dos monumentos iniciava-se pelo entalhe do madeirame para, então, receber a decoração pictórica. Esse é o caso da Matriz de Catas Altas do Mato Dentro, MG, cujas irmandades responsáveis pela construção, por falta de recursos financeiros, tiveram que interromper a decoração pictórica, que se mantém inacabada. Seu interior comporta retábulos integralmente policromados, como os das irmandades mais abastadas do Carmo e de São Miguel e Almas, enquanto outros elementos decorativos permaneceram na madeira ou apenas com o aparelhamento de fundo. O forro da nave, em abóbada de berço, não foi sequer preparado para receber pintura, estando as tábuas na madeira aparente e somente cravejadas à estrutura.
Sobre essas tábuas seriam aplicadas várias demãos de base de preparação, muito possivelmente do modo que consta nos autos datados de 1826, quando Manoel da Costa Athaíde entrou em ação judicial contra os mesários da Irmandade do Rosário, que se recusaram a pagar-lhe determinada quantia, após a conclusão de alguns serviços contratados. Para tal, justificavam que certas técnicas empregadas pelo artista não correspondiam à programação inicial, obrigando Athaíde a defender-se tecnicamente das acusações. Esse processo, que conta também com depoimentos do pintor Francisco Xavier Carneiro, contratado pela irmandade, contém alguns procedimentos técnicos preliminarmente acordados, a saber:
…e depois de limpo e enxuto seguir-se-a para o de pintar […] principiando-se a dar primeira, segunda, terceira e quarta demão de Geço grosso, e cola de Pelica até ficar bem coberta a madeira; depois destas se principiarão com outras tantas de geço Mate em a mesma cola de Pelica, seguindo a mesma ordem ate sexta mão, todas debaicho de regra e preceito D’Arte. Depois de concluídas se seguirão lixamento de toda esta obra com o asseio e perfeição que requer para lisura…
A cola de pelica, segundo dados bibliográficos, era feita a partir de retalhos de couro de boi, pele de gato, de coelho ou de lebre. As demãos de gesso-mate eram aquelas de acabamento, portanto, mais alvas e homogêneas. O alvaiade, ou seja, o branco de chumbo, era também empregado por Athaíde conforme indicam outros documentos pesquisados.
Durante a restauração da Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, na década de 60, o restaurador Jair Afonso Inácio encontrou alguns pedaços de papel desenhados a lápis, com elementos da composição da pintura da capela-mor. Sobre o desenho, havia furos, rentes uns aos outros, feitos provavelmente com uma agulha, que apresentavam, à sua volta, pigmentação negra. O restaurador concluiu que esses papéis faziam parte do esboço da pintura e que eram colados em todo o espaço do forro já impermeabilizado com as camadas de preparação. Assim, por esses furos, o desenho era transportado para o teto, com o emprego de uma bucha de pano, denominada boneca, impregnada de pó de sapato. Com a retirada dos papéis, o fundo, geralmente branco, apresentava as marcas desses pequenos furos formando a composição desejada.
Verificamos, posteriormente, que, para a aplicação direta da tinta sobre esses pontos de pigmento, seria necessária a fixação dos mesmos, pois, caso contrário, o pó de sapato se espalharia em contato com o pincel. Presumimos que essa fixação poderia ser feita com água de cola aplicada com brocha de pedreiro, que molharia todo o teto, sem nenhuma conexão com o desenho.
Com respeito à camada pictórica, pudemos averiguar que, em Minas Gerais, durante o período do barroco, a técnica predominante era o óleo, enquanto que, posteriormente, na fase rococó, os forros, em sua maioria, eram pintados a têmpera. Os aglutinantes mais usuais nesse tipo de pintura eram as colas animais e vegetais, como a goma arábica. No caso das têmperas oleosas, foi muito utilizado a gema de ovo como substância emulsificadora. Por outro lado, nas pinturas a óleo, eram empregados óleos vegetais tais como a linhaça, nozes e papoula.
Os artistas trabalhavam com pigmentos orgânicos e inorgânico que, em sua maioria, eram conhecidos desde a antiguidade. Pode-se observar pelos materiais solicitados por Athaíde na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, a presença de alvaiade, o vermelhão fino (sulfeto de mercúrio), sangue de dragão (resina vegetal vermelha), o aldeído amarelo (trissulfeto de arsênico), o verde estilado (verde gris, acetato de cobre), a sombra de colônia (terroso, contendo ferro, manganês e matéria orgânica), bem como a flor de anil (azul turquesa vegetal).
Restauração do forro da nave do Santuário Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas, MG
No intuito de resgatar uma das primeiras intervenções em forros decorados sobre madeira realizada no Brasil, reproduziremos parte do texto Reconquista de Congonha, de Lourival Gomes Machado.
Essa restauração foi executada no ano de 1957, pela então D.P.H A.N., cuja equipe era chefiada pelo restaurador Edson Motta, no forro em abóbada de berço pintado por João Nepomuceno Corrêa e Castro, nos anos de 1769 e 1770.
…Visto de baixo, parecia um belo forro milagrosamente preservado pelo tempo. Após inspeções constatou-se o estado precário de madeirame […] Colaram a cada tabua porções de tecido alvo, primeiro em curtas faixas transversais que se tocavam pelos bordos e, depois, uma larga fita longitudinal sobreposta aquela e que abrangia toda a peça. As duas bandagens em sentidos opostos para preservar a obra de qualquer repuxamento, fratura ou alteração tridimensional mas sempre permanecia o perigo maior que era o de fragmentar-se a tábua ao ser despregada. Assim, as tábuas foram descidas uma a uma, sobre uma grade de madeira que, na prática serviu de padiola a esses corpos delicadíssimos.
A restauração se iniciava com o exame da madeira e a consequente eliminação da parte atacada pelos térmitas. Largos e fundos sulcos na superfície superior da madeira denunciavam a entrada do cupim, mas, em verdade, essa alteração superficial, em si mesma assustadora, não correspondia à metade sequer da destruição havida no cerne. Feita a raspagem desses sobejos do cupim, verificava-se que a tábua desaparecera e dela restava tão só a lamínula fibrosa milimétrica que, aderida à pintura, não pudera ser destruída. Há algo que a restauração abomina: as soluções simplistas. Assim, onde o senso comum diria sem maiores complicações colocar-se uma nova tábua no lugar da velha, o restaurador logo percebe todos os perigos inarrostáveis duma tal substituição mecânica. A pintura, em seu suporte original, aderira diretamente a ele e, portanto, acompanhara seus “trabalhos” segundo as oscilações da temperatura, a umidade, o jogo das peças confinantes e suas próprias alterações intrínsecas. Com uma nova tábua, recomeçaria este processo de tensões, porém, desta feita, a pintura não poderia acompanhá-la tão docilmente, tornando-se provável sua ruína definitiva. Dessas considerações, resultou a solução paciente e exata dos restauradores que não substituíram mas recompuseram a tábua arruinada mediante a aplicação, sobre a capa milimetral dos restos de madeira preservados pela pintura, de uma série de tiras novas de cedro, com dois e meios centímetros de largura e a mesma espessura da peça original. São réguas curatas que se enfileiram longitudinalmente, recebendo, de espaço em espaço, um elemento transverso igualmente descontínuo. Mas não é só a madeira que preocupa ao restaurador, pois deve resolver também o problema trazido pela junção desses componentes miúdos num todo uno e, então, impõe-se evitar as colas comuns tiradas às cartilagens, ou mesmo as sintáticas, que, solúveis n’água, devem sempre ser evitadas onde possa aparecer uma goteira, e que, naturalmente higroscópicas, isto é, suscetíveis de absorver a umidade atmosférica, seriam fácil presa dos térmitas e dos fungos.
Empregou-se, por isso, um aglutinante composto de cera, parafina, resina de Damar e terebintina de Veneza, que escapa a todos esses perigos e, mais, cujo ponto de fusão se situa entre 120 a 130 graus centígrados, pois, entre o telhado e o forro, as construções se aquecem mais, muito embora, no caso em questão, os termômetros tenham acusado, em pleno verão, a temperatura máxima de 38º apenas…
É importante esclarecer que, na década de 50, no Brasil, a utilização de produtos sintéticos na restauração ainda não era aceita, tanto pelo desconhecimento de suas reações às intempéries em virtude do uso recente, bem como pela carência de variedade no mercado de tais materiais. Por outro lado, podemos afirmar categoricamente que essa intervenção, se não ideal nos dias atuais, cumpriu satisfatoriamente sua função de reestruturação do madeirame deteriorado.
Desmonte e montagem de forros
Após os estudos que resultarem na necessidade de desmonte de um forro, torna-se imprescindível a elaboração de uma proposta de intervenção.
Os testes e análises preliminares da pintura e do madeirame devem ser exercidos ao máximo. Atualmente, em Minas, o Centro de Conservação e Restauração da UFMG (CECOR) e o Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC) estão atendendo aos profissionais de preservação, realizando análises físico-químicas dos materiais recolhidos, permitindo, assim, o enriquecimento científico desses estudos.
A primeira providência a ser tomada antes de se iniciar o desmonte é a medição do espaço determinado pelo forro. A partir dessas medidas, encontra-se o ponto central, ou outras referências, por onde serão perpassadas linhas que servirão de guia para a remontagem das peças. A etapa seguinte consiste na confecção de um mapa que registrará todos os dados levantados, como as áreas mais afetadas, as medidas e a numeração determinada para as peças que compõem o forro.
Na retirada das tábuas, temos empregado ceguetas para serrar os cravos de ferro. Entretanto, quando a madeira se apresenta em bom estado de conservação, podem ser utilizadas talhadeiras bem afiadas, que cortam os cravos sem causar danos. Para o descimento das peças, faz-se necessária a embalagem das mesmas, com a pintura devidamente protegida, para, então, serem transportadas por macas, que são descidas com cordas até o chão. Há casos em que a madeira se encontra excessivamente carcomida pelos insetos xilófagos, de modo que o faceamento da pintura é indispensável antes do desmonte.
Essas macas são reutilizadas para a subida das tábuas ao andaime após a restauração do suporte e dos estratos pictóricos. Nessa fase, a tábua ou as tábuas de referência são colocadas sobre as linhas de guia e pregueadas provisoriamente. Depois de certificado o correto posicionamento das peças, inicia-se a montagem definitiva, com o emprego de brocas e parafusos de metal galvanizado. Os pregos ponteados são removidos e os buracos dos parafusos, bem como das frestas de união das tábuas, são preenchidos e retocados.
Informe sobre processos de tratamento estrutura
Aqui não serão analisadas cientificamente as causas de deterioração da madeira, nem as precauções preliminares indispensáveis com os estratos pictóricos que as sobrepõem. Interessa-nos, nessa etapa, apresentar algumas formas de tratamento no suporte que tenha perdido parte de sua resistência mecânica.
Para se iniciar a restauração no objeto avariado, são primeiramente identificados o agente danificador e o tipo de prejuízo por ele causado: Em geral são constatados, com maior intensidade, o apodrecimento da madeira em virtude da penetração das águas pluviais, as perdas do suporte devidas ao ataque dos insetos xilófagos, os fenômenos de empenamento e rachaduras longitudinais consequência das variações climáticas, sendo que, em casos extremos, esses danos decorrem da ação direta das águas de chuva e dos raios solares, alternadamente.
Com o aparecimento das resinas sintéticas, em meados do século, as possibilidades de intervenção foram ampliadas, pois, no passado, eram restritas aos materiais de origem animal e vegetal. Tais materiais, como a cera de abelha, por exemplo, apesar de apresentar certas desvantagens em relação aos produtos sintéticos de uso correspondente, contribuíram e ainda contribuem para a preservação dos bens culturais, cujo suporte seja a madeira, como em Congonhas, no Santuário do Bom Jesus de Matozinhos.
Vários produtos de fabricação industrial estão sendo utilizados atualmente no tratamento da madeira, e muitos deles já foram cientificamente testados e aprovados para a finalidade em questão, tendo em vista os aspectos de sua resistência, durabilidade, elasticidade, reversibilidade, grau de contração, poder de penetração e adesão, e levando em conta, no caso específico, a porosidade da madeira.
Na Europa, a grande maioria dos centros de restauração tem utilizado a própria madeira para enxerto e colagem das rachaduras. Pudemos, no ano de 1986, acompanhar, no Instituto José de Figueiredo, em Lisboa, todo o processo de restauração de um forro decorado, que apresentava problemas de empenamento, rachaduras longitudinais e significativas perdas do suporte.
Primeiramente, as tábuas e todo o madeirame a ser empregado na intervenção são submetidos à fumigação com brometo de etilo, em uma câmara apropriada, para, em seguida, receber tratamento.
Para a planificação do suporte com perda de água estrutural, os técnicos do Instituto umedecem o tardoz da tábua até conseguirem seu total desempenamento. A operação pode ser repetida algumas vezes para que se obtenha o resultado desejado, e também ser utilizada na montagem do forro, caso haja necessidade de nivelamento das tábuas.
Em casos de empenamento extremamente exagerados, o processo de planificação pode ser o mesmo empregado para a colagem de rachaduras, quando são feitas aberturas longitudinais no dorso da peça, que anulam as forças de contração das fibras superficiais da madeira. Esse processo, além de ser eficiente para a adesão das partes, permite o rejuntamento das frestas com grampos, antes da colagem. As incisões, no suporte, são feitas em forma de “V”, cujos espaços são preenchidos com pequenas peças diagonais de madeira, medindo de cinco a sete centímetros de comprimento, de seção triangular, dispostas no mesmo sentido das fibras da madeira, e coladas com acetato polivinílico somente nas duas laterais. Este detalhe diz respeito à liberação do espaço entre as cunhas, de modo que possam acompanhar possíveis movimentações do suporte, evitando rompimentos.
Nas lacunas de maior proporção, causadas pela perda da camada pictórica e seus respectivos estratos, a área é desbastada com o emprego de formão e lixas, para receber finíssima tira de madeira. O tamanho dessa fina chapa de madeira é obtido após a tiragem de molde, com papel vegetal, do espaço danificado e transposto para a madeira a ser empregada no preenchimento através de papel carbono. O adesivo utilizado é também vinílico.
Para a transposição do suporte deteriorado, os técnicos portugueses, após o desbaste planificado na tábua, colam, sobre essa película de madeira, tiras de balsa, utilizando-se de cola de benzina. Depois de colada a balsa, sobre esta são colocadas outras tiras de cortiça, também coladas com a cola de contato. Tanto as tiras de cortiça como as de balsa são inteiriças, tendo cinco milímetros de espessura e aproximadamente sete centímetros de largura. Por fim, a parquetagem é feita com tacos de madeira, de forma idêntica aos pisos taqueados, só que com sete centímetros de comprimento, de quatro a cinco de largura e, no máximo, 1,5cm de espessura. Essa parquetagem pode ser feita em duas ou mais camadas, até que seja conseguida a espessura da tábua. A cola utilizada nesse caso é à base de acetado polivinílico.
A partir dos processos já descritos de transposição, iniciamos alguns testes à procura de novas possibilidades de tratamento para esse tipo de operação. Em virtude da acidez da cola de benzina, optamos pela exclusão da balsa e da cortiça. Para substituí-las, aplicamos, após o desbaste da madeira danificada, uma camada bem espalhada de Paraloid TB 148 N sobre a superfície a ser trabalhada e, imediatamente, com o uso de uma peneira fina, jogamos, sobre a resina ainda molhada, pó de serra. Após a secagem do adesivo, o restante do pó de serra é retirado, utilizando-se de um aspirador de pó. Essa operação é repetida sucessivamente, até que seja formada uma camada resistente de, cinco milímetros de espessura, aproximadamente.
A superfície resultante desse procedimento apresenta-se adequadamente nivelada para receber as taliscas de cedro, de 1cm x 1cm, e, ao mesmo tempo, bastante porosa para a adesão da cera/resina com pó de serra, que reconstituirá a tábua. É importante ressaltar que, na colocação das taliscas, não empregamos as peças transversais utilizadas em Congonhas, apenas são mantidos os encontros das mesmas, em vários pontos da tábua, dispondo-as em encaixes, à forma de denteados.
Informe sobre a apresentação estética
Os materiais que temos empregado na apresentação estética das pinturas sobre forros são diversificados. O importante, porém, é que sejam estudados ao nível de sua aplicação em determina da obra. Isso nos remete aos princípios da compatibilidade, reversibilidade e durabilidade desses materiais na obra a ser intervinda.
Para pinturas à base de óleo ou nas têmperas oleosas, uma das possibilidades de obturação e nivelamento das lacunas tem sido a cera com carbonato de cálcio, numa proporção de 3 x 1. Essa mistura, derretida nas milimétricas falhas da decoração pictórica, além de ter boa penetração, é facilmente nivelada pelas raspagens com bisturi ou com bonecas de pano embebidas em aguarrás mineral. Esse tipo de massa de obturação pode ser compatível com pinturas oleosas, pode receber retoques com pigmento e verniz como Le Franc Laropal, ou ainda Paraloid.
Uma base recomendada para o nivelamento das lacunas em pintura a têmpera é a de cola de coelho com carbonato de cálcio. A cola enrijecida é deixada de molho por 24 horas e derretida em banho-maria. Acrescentando carbonato de cálcio, até a consistência desejada, pode ser aplicada em finas camadas, ainda aquecida. Lixas ou bonecas são eficientes para o seu nivelamento, que recebe bem as tintas à base de látex, aquarelas verniz e pigmento, entre outras variedades de têmpera.
Uma outra opção a que temos recorrido é o emprego da massa de ponsar automotiva para preenchimento das lacunas decorativas, apesar de ser um produto industrial do qual não temos acesso às formulas, Em função da reversibilidade do material oleoso, temos determinados casos de massa diluída em hidrocarbonetos como xilol ou toluol. É fundamental que a aplicação seja feita em finas camadas para manter sua resistência: recebe bem todos os tipos de tinta, inclusive o látex que atua como fundo para a reintegração com aquarela.
A reintegração cromática pode ser executada de forma imitativa ou em regatino, dependendo do tipo de pintura a ser tratada. A técnica do tracejado tem sido bastante adequada às pinturas em forros, em função da distância entre o observador e o elemento, que permite a total integração das lacunas retocadas, e, ao mesmo tempo, se visto aproximadamente, há a identificação dessas intervenções.
A capa de proteção que temos empregado para as tintas a óleo, quando necessário, é o Paraloid TB 148 N misturado à cera micro cristalina, e para as pinturas a têmpera, o álcool polivinílico tem proporcionado bons resultados, inclusive em relação à manutenção da opacidade peculiar a essa técnica.
Relação arquiteto / restaurador
A preservação de bens culturais é eminentemente interdisciplinar. Além do trabalho com biólogos, físicos, químicos, arqueólogos e historiadores, o restaurador atua conjuntamente com o arquiteto nos monumentos que contenham decoração artística em seu interior. Essa relação torna-se mais acentuada no encontro das estruturas do forro e do telhado, em que qualquer intervenção na cobertura requer a presença do restaurador e, igualmente, a participação do arquiteto especializado, quando o tratamento do forro inclua também a sua estrutura.
Há uma infinidade de serviços já realizados em forros decorados nos quais houve o trabalho conjunto dos profissionais citados, com a devida programação das etapas, procurando conciliar as intervenções nas estruturas da cobertura e do forro, e prevendo o tratamento adequado às tábuas policromadas. Por outro lado, existem exemplos de recuperação de coberturas, cujos forros não foram tratados preliminarmente, que possibilitaram acidentes facilmente evitáveis ao suporte e à decoração pictórica.
Por fim, é necessário dizer que, na maior parte dos trabalhos desenvolvidos em monumentos decorados artisticamente, e que não contaram com um planejamento preliminar de atuação conjunta, o custo final da operação tornou-se bem maior do que o previsto, pois as surpresas sempre ocorrem, principalmente quando uma área específica dessa interdisciplinaridade é desprezada.
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