Sobrevivência da Empresa Privada Especializada na Área da Preservação Cultural

Adriano Ramos
Conservador – Restaurador
catalogo

Segundo Cesare Brandi(1), fundador do Instituto Central de Restauro, em Roma:

…os produtos especiais da atividade humana, aos quais se dá o nome de obra de arte, o são pelo reconhecimento singular que sucede na consciência e somente depois de tal reconhecimento se destacam de forma definitiva da comunidade dos demais produtos. Como obra de arte e como produto da atividade humana estabelecem uma dupla instância: a instância estética, que corresponde ao fato básico da artisticidade, pela qual a obra de arte é obra de arte, e a instância histórica, que reflete sua aparição como produto humano em um certo tempo e em um certo local.

Complementarmente, o estudo científico da tecnologia empregada na confecção das obras de arte permite ao pesquisador penetrar ainda mais profundamente no seu universo estético e histórico, no qual poderão ser identificadas as adaptações, variações e mesmo substituições dessas tecnologias pertinentes às características de cada região.

No caso específico dos oratórios aqui apresentados e de praticamente toda a arte sacra brasileira datada do século XVI ao XIX, foram empregadas as mesmas técnicas e os mesmos materiais em uso no continente europeu. Contudo, durante todo o período de instalação dos portugueses e africanos em solo brasileiro, onde as comunidades eram formadas circunstancialmente, reuniram-se profissionais de culturas e opiniões distintas, trabalhando isoladamente ou mesclando o erudito com o popular, de forma tumultuada e dinâmica.

No estado de Minas Gerais, por exemplo, em meados do século XVIII, as vilas agruparam uma grande variedade de oficiais e artesãos, permitindo o convívio do “…artista português erudito ao lado do popular e ambos ao lado do improvisador arcaizante, luso ou africano, do improvisador primitivo negro ou indígena, e do exótico imitante a marfins e outros efeitos do Oriente importados…”(2)

Por outro lado, no intuito de amenizar o custo da produção artística na colônia, tornou-se imprescindível o emprego de soluções próprias, criativas, advindo daí a utilização de materiais retirados da fauna, da flora e da natureza mineral e rochosa que, uma vez trabalhados, vieram enriquecer as tecnologias utilizadas para a produção do acervo artístico nacional.

Madeira

A madeira é empregada na confecção de obras de arte desde a antiguidade. Existem esculturas egípcias com decoração pictórica datadas de, aproximadamente, 3.000 a.C. Na Europa, durante toda a Idade Média e Renascimento, os painéis de madeira foram utilizados por diversos pintores consagrados.

No Brasil, a tradição se manteve com a colonização portuguesa. A decoração interna dos monumentos religiosos (forros, retábulos) e os bens culturais móveis (esculturas, oratórios), em sua maioria, têm como matéria-prima a madeira.

Ferro

O ferro, por ser um metal maleável, foi fartamente empregado nas construções civis e religiosas do período colonial. Muitas vezes usado para proteção dos monumentos (grades, chaves, ferrolhos) e em auxílio a outros suportes (cravos, ponteiros de relógio, espelhos de porta), serviu também de matéria-prima para a confecção de obras de arte.

O ferro ou era fundido e moldado ou batido na fornalha, com o emprego do fole, da bigorna e do martelo.
A união das partes podia ser conseguida com encaixes, dobradiças, soldas ou mesmo cravos.

Base de preparação

A base de preparação, ou aparelhamento de fundo, tem por finalidade isolar o suporte da camada pictórica, aplainar as irregularidades da superfície e interferir na luminosidade das cores.

Essas bases são compostas de carga (material inerte) e cola. Os aglutinantes mais usuais no período colonial eram cola de animal (extraída das peles e cartilagens de carneiros e cervos), a caseína (derivado do leite), as resinas orgânicas e o ovo.

Pigmento

Chama-se pigmento a toda substância pulverulenta, sólida, insolúvel num veículo, que, ao se misturar com água, óleo etc., forma tinta.

Os pigmentos podem ser classificados segundo sua origem: artificiais (pigmentos fabricados) e naturais, que compreendem os minerais (ocas, terra, calcários etc.), os vegetais (lacas, índigo, urucum etc.) e os animais (preto marfim, sépia e a cochonilla, pequeno inseto de cor púrpura, encontrado no México).

Os pigmentos minerais podem ainda ser determinados segundo sua composição: os naturais (pela sua origem) e os artificiais (fabricados).

Tinta

Tinta é o resultado da mistura de pigmento e aglutinante. O tipo de aglutinante usado na preparação das tintas é que designará se a pintura é a têmpera, à base de óleo ou mista (emulsão oleaginosa).

A pintura a têmpera engloba em sua definição todos os processos de pintar, cujos aglutinantes sejam solúveis em água. Utilizada pelos pintores do Período Paleolítico, que misturavam colas vegetais ou cartilaginosas a calcários e terras coloridas, a têmpera tem como aglutinantes mais usuais a caseína, a cola de cartilagem, a goma arábica, a clara e a gema de ovo.

As tintas a óleo compõem-se de pigmentos mesclados a óleos secativos, extraídos de vegetais como o linho, a papoula e a noz. São empregadas na pintura artística desde o século XV.

Tinta a têmpera

A carga podia ser de gesso, alvaiade ou carbonato de cálcio. Fórmula de pintura a têmpera do Monge Teófilo, em sua Diversarum artium Schedula, datada do século XII:

Se você quiser acelerar seu trabalho, tome a cola ou goma que escorre da cerejeira ou ameixeira e; cortando-a em pequenas porções, coloque-as num vaso de barro; ponha bastante água, depois coloque-o ao sol, ou então, sendo inverno, sobre um fogo bem brando, até que a goma se liquefaça. Misture suavemente numa vasilha, coe em pano fino, peneire as cores misturando-as com o líquido e pode aplicar a tinta.

Tinta a óleo

O óleo, apesar de ter sido empregado na decoração artística somente a partir do século XV, já era utilizado anteriormente para a proteção e coloração de objetos utilitários.

Ainda uma receita do Monge Teófilo:

Põe a secar linhaça ao fogo, em uma panela, sem água. Passa-a depois a um morteiro e tritura até deixá-la reduzida a um pó fino; coloca-a novamente na panela, na qual verterás um pouco d’água e esquente-a bem. Envolve-a logo em um pedaço de pano novo e mete-a em uma prensa e espreme-as. Mói neste óleo, mínio, vermelhão ou qualquer outra cor que queiras, sobre uma base de pedra, sem água. Pinta com uma brocha as partes ou tábuas que queiras dar de vermelho e deixa-os secar ao sol…

Verniz

Os vernizes são formados por resinas, que podem ser naturais ou sintéticas. São usados como aglutinantes das tintas e como seus protetores e avivantes.

As resinas mais usadas são: fósseis (âmbar, copal); semifósseis (almécega); animais (goma laca); macias (copais não fósseis, damar, sandaraca, mástique); óleos ou bálsamos (terebintina de Veneza, bálsamo do Canadá, bálsamo de copaíba, bálsamo de elemi).

Atualmente, são empregados na proteção das pinturas com vernizes sintéticos, à base de acrílico, de vinil etc. Também são utilizadas ceras de abelha ou mesmo sintéticas.

Douramento

Douramento é a técnica que consiste em decorar uma superfície de madeira, pedra ou metal, utilizando-se de finíssimas folhas de ouro.

Inicialmente, são aplicadas duas camadas de calda de gesso sobre o suporte preparado que, depois de secas, serão lixadas. Sobre essa superfície é utilizado o bolo armênio (água de cola de pelica + grafite + óxido de ferro vermelho ou amarelo), ou apenas a cola de pelica bastante diluída.

As delgadas folhas são acomodadas sobre uma almofada de couro, e daí retiradas, uma a uma, com o auxílio de um pincel engordurado previamente em sebo derretido. A folha é encostada à superfície a ser dourada e estendida sem rugas ou dobras. Simultaneamente, com a utilização de um outro pincel, essa área é umedecida para se tornar pegajosa.

No dia seguinte, estão as folhas de ouro perfeitamente aderidas e prontas para receberem polimento. A brunidura é feita com pequena pedra lisa (ágata, mais comumente) engastada num cabo de madeira.

Notas

(1) BRANDI, Cesare. Teoria dei Restauro. Roma: Piccola Biblioteca Einaudi, 1973.

(2) SEITAS FERNANDES, Orlandino. O Imaginário e Inimaginável Santeiro, Todo Aleijadinho. In: Minas Gerais: Suplemento Literário, n. 62, Belo Horizonte, fev. 1981.

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